Parte XIIIA
02:00 a.m.
O lugar estava tão lotado que era impossível fazer o menor movimento sem ter algum tipo de contato físico com outra pessoa. Mesmo parado era impossível não ter algum contato físico com outra pessoa. E quente. Sei lá quantas mil pessoas se acotovelando e se espremendo em um lugar fechado: não tem ar condicionado que dê conta. As luzes coloridas rodopiavam cintilando em ritmo epilético pela multidão enquanto os alto-falantes explodiam graves em milhões de decibéis, nos levando cada vez mais próximos da temida brown note. E eu lá no meio, totalmente perdido, o único que parecia não estar curtindo tudo aquilo.
Duas horas antes:
As luzes das sinaleiras e a música dentro dos porta-malas dos carros guiavam a romaria que rumava para a praia do Santinho naquela noite morna. O carro do Fatt lotado, seguindo a lenta fileira de veículos à nossa frente. Eu no banco de trás, testa grudada no vidro, contando os postes do caminho. Emergi dos meus pensamentos despertado por um apertão na coxa. A Adri espremia suas pernas contras as minhas no apertado banco traseiro do carro, que dividíamos com a Dani e o Cabeludo. A Pat no banco da frente, com o Fatt. Meio atordoado com a mão da Adri na minha perna, olhei para o seu rosto, que sorria para mim, iluminado pelos postes que passavam.
- Ah, Ferrão, se anima, vai! - falou ela, enlaçando meu pescoço com o braço enquanto segurava o meu rosto com a outra mão para me dar um barulhento beijo na bochecha - Não vai ficar assim no meu aniversário, né? - disse, baixinho, no meu ouvido.
- Olha o agarramento aí atrás! - gritou Fatt, rindo pelo retrovisor.
Nem tive tempo de responder, pois um grito agudo de nojo da Pat ecoou no habitáculo.
- Aaaaaiii!!!!
- Bah, foi mal, aí... - desculpou-se Fatt.
A Pat estava segurando um copo com uísque com energético que havíamos preparado em casa. Acontece que o maior copo da casa assemelhava-se a uma bacia: meio baixo, largo e com uma grande abertura, por onde o conteúdo poderia escoar com incrível facilidade. (Maior coisa de pobre isso, beber antes de chegar na balada pra economizar. Você morre em, sei lá, 20 pila só na entrada, e até parece que são aqueles $10 que você economizou em bebida que vão fazer toda a diferença. Mas acho que quase todo mundo já deve ter feito isso pelo menos uma vez na vida...) Por um motivo qualquer, nosso motorista deu uma freada mais brusca que fez com que uma parte considerável da nossa inebriante bebida fluísse para fora do copo/bacia, flutuasse no ar por um átimo e desastrosamente encontrasse a blusa vermelha nova da Pat. Ela ficou muito indignada, tentando secar o pescoço e a blusa com uns lenços de papel.
Quatro horas antes:
- Ah, bom... - falei, com as mãos nos bolsos e olhando para baixo - E vocês vão para onde?
- Nós vamos sair com o pessoal da casa aí da frente... - disse displicentemente a Cris - Vocês não se importam, né?
Mas é claro que eu me importava! E muito! Eu havia perguntado para a Cris se elas nos acompanhariam na comemoração do aniversário da Adri, num lugar recomendado pelo Quico na praia vizinha. Depois daquela resposta, eu queria sacudí-la dizendo "Não! Vocês vão com a gente!!", mas me contive.
- Não, não... Capaz...
O negócio é que uns dias antes havia chegado na casa em frente à nossa uma turma de surfistas. Quatro, para ser mais exato. Dividindo a mesma areia, passando ao lado da nossa casa, puxando conversa com um e outro, eles acabaram se aproximando das nossas vizinhas. E isso fere completamente o código de ética masculino. Se alguma mulher estiver em território de algum homem, outro não se aproxima, ponto final. Isso é Lei, infringí-la pode gerar conseqüências desastrosas (e sangue é a mais suave delas). É mais ou menos como estar tentando vender alguma coisa para alguém e, no meio da negociação chegar outro vendedor oferecendo um produto melhor, mais barato e ainda prometer brinde. Isso não é coisa que se faça.
- Claro que não! Sem stress... Aproveita lá... Bebe por mim na conta deles!
Ela riu e voltou para casa. "Maldição!", pensei. Com a estreita convivência daquela semana eu havia começado a gostar da Cris, mas sempre tive um pouco de medo dela. Ela tinha 22 anos e ia cursar o último ano de Jornalismo, enquanto eu tinha 18 e havia acabado de terminar o segundo grau. E quando se tem 18 anos, esses quatro anos fazem muita diferença, são praticamente uma vida inteira a mais. Nenhuma guria do último ano da faculdade ia querer ser vista junto com um guri de 18, ainda mais se for dono de Fusca. Naquela época eu ainda não cultivava o volume abdominal de hoje, pelo contrário, era magro e meio desajeitado (desajeitado continuo!), mas estava anos-luz atrás dos surfistas malhados de óculos escuros e gírias esdrúxulas que haviam chegado. Para minha sorte a nossa praia não era muito propícia ao surf, de modo que eles ficavam fora boa parte do dia. Isso ainda me fazia manter um restinho de esperança...