domingo, 28 de outubro de 2007

SUmmer of Love, Parte VIII

Parte VIII


Na sexta de manhã chegaram os outros. Outras, melhor dizendo. A Dani, a Pri e o Pablo iam de ônibus e nos ligaram da rodoviária às 7h pedindo para buscá-los. Chegando na rodoviária, só encontramos as duas meninas.
- E o Imperialista?
- Veio de verdureiro...
- Ah...
O Pablo Imperialista tinha esse apelido porque era o típico militante panfletário de extrema esquerda. Era contra qualquer coisa vinda de grandes empresas capitalistas, da mídia alienante ou das elites opressoras. Dos EUA, então, nem se fala. Tinha uma bandeira de Cuba pendurada na parede do quarto e um pôster do Che fumando charuto pregado atrás da porta. Usava a clássica camiseta com o rosto do Che em 90% do tempo. Teve uma vez que ele soube que o MST ia fazer uma manifestação em Porto Alegre e se mandou pra lá. Passou a noite no acampamento improvisado tomando pinga, jogando dominó e criticando o neoliberalismo. Pela manhã, fez passeata e participou da manifestação carregando bandeirinha e gritando "Fora FHC e FMI!". No auge do movimento (e aparentemente sem motivo algum), chamou um brigadiano de "Porco filho da p*ta!" e nem teve tempo de fugir quando o policial grudou o cassetete na paleta dele. Ficou rengo por alguns dias e acabou optando por não se envolver mais nesse tipo de evento. Com o passar do tempo fomos perdendo o contato e a última coisa que soube dele foi que abandonou a militância, começou a tomar banho mais regularmente, arrumou um emprego no Bradesco, estava usando camisa social em tons pastéis e estava até namorando uma menina super família, tipo, sentar na sala com o sogrão pra ver a novela. Dizem as más línguas que foi por causa do mensalão, mas eu tenho minhas dúvidas. Acho que quando está assistindo o Jornal Nacional ao lado do sogro, no fundo ele ainda sente uma pontinha de inveja quando vê alguma matéria mostrando uma invasão do MST... Mas isso tudo não vem ao caso. O que interessa é que uma grande empresa de turismo queria cobrar $50 por uma passagem pra Floripa num ônibus Mercedes-Benz. Era demais pra ele. Se ainda fosse um Marcopolo ele podia aceitar, mas ônibus alemão, jamais! Conseguiu carona num ônibus velho e sem bancos (do tipo que leva verduras pra CEASA às quartas-feiras, daí o "verdureiro") que ia deixá-lo perto de Criciúma no sábado. O resto do trajeto (quase 300Km) ele ia dar um jeito.

Depois de desempacotar suas bagagens, a primeira coisa que as gurias fizeram foi (para nossa alegria!) colocar seus biquinis e se estender na areia em frente à nossa casa. A Pati e a Adri preferiram caminhar pela praia e eu o Cabeludo resolvemos acompanhar. Não podiam ser mais antagônicas, essas duas. A Pati, com seus cabelos bem pretos na altura dos ombros, era fã incondicional do Rage Against The Machine (mesmo achando que eles tinham pervertido seus princípios). A Adri, com seu belo par de pernas (e peitos (as leitoras que me desculpem, mas eles merecem ao menos uma referência nesse relato!)), tinha longos cabelos loiros e adorava R.E.M.. E eram as melhores amigas, as duas. Essa coisa de Ying & Yang, opostos que se atraem, esse tipo de coisa.

Caminhamos animadamente de uma ponta da praia à outra enquanto o sol torrava as nossas cabeças. Foi mais ou menos na metade do caminho de volta que a Adri exclamou um sonoro "Aaaahhh!" (Aquele tipo de "Aaaahhh!" que as mulheres fazem quando enxergam um bebê).
- Olha que lindinho!
- Tão branquinho!
- Tão peludinho!
Era um cachorro. Um cachorrinho pequeno, de raça indefinida, daqueles com um latido agudo bem irritante. Não tinha coleira e parecia perdido. Era engraçado, até. Ficava rolando no chão e se esfregando na areia enquanto as gurias afagavam a sua pequena cabeça peluda.
- A gente pode levar???
As duas estavam abaixadas ao lado do bicho e olhavam pra cima em nossa direção com uma expressão igual àquela das crianças quando passam em frente a uma loja de doces, os olhinhos brilhando, implorando "Deixa, deixa, só um pouquinho!". Impossível negar.

O cachorro nos seguiu até em casa, ziguezagueando entre as nossas pernas, nos fazendo tropeçar, às vezes. Lá chegando encontramos o Alex com a churrasqueira acesa debaixo de uma árvore já tostando os primeiros coraçoezinhos de galinha. Um olho cuidando a carne tostando na brasa, o outro cuidando as que estavam tostando no sol. Na areia em frente de casa outras três meninas faziam companhia à Dani e à Pri.
- O que foi que nós perdemos? - perguntei pro Alex.
- Uma loucura, Ferrão, uma loucura! - ele adorava essa expressão, uma loucura! - Essas três aí vão ser nossas vizinhas. Chegaram essa semana de São Paulo e vão passar o mês.
- E a Priscila e a Dani já se entrosaram...
- Sabe como é mulher, né Ferrão?
- Sei, sei...
- E esse cusco aí? - perguntou apontando para o cachorro que pulava em torno das cinco meninas e do Cabeludo, que estava sentado na areia.
- As gurias encontraram na praia e quiseram trazer...
- E como é que é o nome?
- Não sei. Ainda não batizamos...
- Morruga. - disse, virando os espetos.
- Hein?
- Morruga. Olha só o tamanho dele. Tem que ser morruga!
- Hehe! É mesmo! Morruga será, então!

E assim, calmas como um dia de verão, trancorreram as horas seguintes. As paulistas (duas irmãs e uma prima, a Cris, a Clau e a Mônica, respectivamente) almoçaram e passaram boa parte do dia conosco, inclusive nos ajudando com a louça. Poucos cães foram tão bem tratados quanto o Morruga naquele dia. Aquele bicho esfomeado parecia que há dias não comia nada. Começamos atirando uns ossos, que ele roía avidamente. Depois passamos a tirar uns nacos diretamente do espeto pro cachorro. Quando nós terminamos o almoço, lá pelas 16h, a barriga daquele carnívoro insaciável estava inflada como um balão, mas ele parecia ainda mais elétrico do que antes. Não sei de quem foi a brilhante idéia, mas a certa altura alguém gritou:
- Dá uma caipira pra ele!
As gurias, a princípio, foram contra.
- Que é isso! Vai dar cachaça pro pobre cachorrinho?
Quando viram que o esfomeado lambia ruidosamente a tigela cheia do resto da nossa caipirinha, ficaram mais tranqüilas.
- É... Até que ele parece mais calmo mesmo...

No outro dia pela manhã, quando voltava da padaria carregando duas sacolas de pães, o Bola anunciou:
- O Morruga morreu!
- O quê??
- Como?
- Onde é que ele tá?
- Tá ali na rua, perto do poste.
Fomos todos ver. Aparentemente o Morruga tinha sido atropelado. Não havia cortes visíveis nem vísceras expostas, mas o sangue seco que circundava a sua cabeça peluda denunciava a violência do impacto. Voltamos pra casa em silêncio. Depois do café, cavamos uma cova rasa no quintal e sepultamos o nosso breve amigo lá, na beira da praia.

A minha teoria é que a grande quantidade de carne gorda que nós demos pra ele, aliada à caipirinha que ele tomou acabaram deixando-o enfastiado e reduzindo os seus reflexos. Ainda não sei quais as conclusões filosóficas que se pode tirar dessa morte, mas tenho certeza que, em seu último dia de vida, Morruga teve o seu dia de Rei.

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