quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Summer of Love, parte X

Obs.: Não liguem se o título da história parece título de filme pornô B, me pareceu uma boa idéia quando eu comecei...

Parte X


- Tão com a Lara, é?
- Hein?
- Larica, cês tão de larica...
Busted! A Claudinha pegou todo mundo de surpresa com sua pergunta sobre o nosso súbito ataque de fome. Ótimos atores que éramos, ainda tentamos esconder o óbvio.
- Hein?
- Como é que é?
- Nós estamos como quê?
- Ai, pessoal, relaxa... A minha mãe já foi embora! Eu sei que vocês fumam...
Eu, o Alex e o Cabeça nos aproximamos, assustados, falando baixo.
- Mas é... ...Tão na cara assim? Dá pra ver de longe?
- Bom, tirando a fumaça e o cheiro, quase não se percebe, não... - disse ela.
- E vocês passando o bagulho de mão em mão. Fora isso, ninguém percebe... - completou a Cris.
- É. Fora isso...
- E a tua mãe e o teu pai? Não falaram nada?
- Então... Eu já disse, podem ficar tranqüilos. Quem não conhece nem suspeita.
- E vocês? Também dão uns pegas, pelo visto...
- Só de vez em quando! - disseram as duas, entre risos
- O segredo de vocês está bem guardado! - disse a Claudinha colocando a mão sobre o ombro do Cabeça. Ele gostou. - Não precisam mais esconder quando a gente passar! Podem até nos chamar, da próxima vez...
- Bah, isso aí vai ser um problema...
- O que a gente tinha terminou.
- O último foi agora no almoço...

Cris deu a brilhante sugestão de perguntarmos para o Quico se ele não sabia onde conseguir mais. O Quico, um gordinho que era dono de um bar perto da nossa casa, freqüentemente vinha dar uns pegas conosco. E sempre trazia algum fumo de qualidade... Nós o chamávamos de Quico devido às suas protuberantes bochechas, acho que foi uma das meninas que saiu com essa, "Cara, tu parece o Quico!". Ele não gostou muito na hora, mas depois acabou se acostumando com o apelido. Certamente ele já ouviu esse comentário de outras pessoas...

- Rapaz, eu sou amigo do Gerente! Eu levo vocês até lá. - revelou Quico com seu inconfundível sotaque, muito animado quando expusemos o nosso herbífero problema.
- Beleza, vamos fazer essa mão aí...
- Que horas nós vamos? - perguntei, todo empolgado. O Alex me lançou um olhar penalizado, parecido com aquele que um adulto lançaria para uma criança ao explicar porque ela não pode andar no Kamikaze, no parque de diversões.
- Olha, Ferrão, eu acho melhor tu ficar por aqui... Nós vamos na boca, o negócio é meio punk, sabe...
Murchei na hora, tal uma criança no parque que acaba de ouvir que não pode andar naquele brinquedo legal que gira de cabeça para baixo... E eu nunca tinha ido comprar diretamente na boca de fumo. Aquela seria minha primeira incursão em um mundo praticamente à parte, dos párias da sociedade, das páginas policiais dos folhetins. Algo aparentemente tão distante da minha realidade pequeno-burguesa (confortavelmente segura atrás dos meus muros, grades e vidros escuros) que exercia sobre mim uma atração irresistível. Um mundo distante, mas ao mesmo tempo muito próximo e, por isso mesmo, fascinante.
- Nem vem com essa! Qual o problema? Eles não te conhecem também...
Diante desse irrefutável argumento, após titubear por um instante, Alex foi obrigado a condescender.
- Tá bom... Mas deixa que eu falo com os caras!
- Ok! - disse, sorrindo ansiosa, a criança feliz.

Já havia passado das 19 horas quando embarcamos no Golf do Fatt (duas coisas que eu nunca tinha feito antes: ir à boca e pilotar um Golf Gti! Era emoção demais para um dia só!). O Alex ao meu lado e o Quico atrás, indicando o caminho. À medida em que nos afastávamos das estreitas ruas da praia, melhores ficavam as estradas e mais nossa velocidade aumentava. Era ótimo deslizar entre os carros pelas largas e impecáveis avenidas de Florianópolis enquanto o sol descia no horizonte e alongava as sombras dos prédios, projetando figuras fantasmagóricas no chão. Saímos das avenidas principais e começamos a rodar por ruelas secundárias, embrenhando-nos agora pelas vias tortuosas do bairro conhecido como Morro da Cruz (deve ser sina do nome: Porto Alegre também tem um bairro pobre chamado Morro da Cruz).
- Pode estacionar aqui. Nós vamos a pé agora - informou Quico.

Já era escuro quando chegamos. Ziguezagueávamos em apreensivo silêncio pelas ruas de terra mal iluminadas da vila. Dobramos em uma viela estreita, guiados pela luz de uma única lâmpada pendurada precariamente no alto de um poste. De súbito, aquele lugar parecia estar se fechando sobre mim. Me sentia totalmente perdido, no escuro, entre todas aquelas ruazinhas praticamente iguais umas às outras, entre as construções humildes, sem reboco ou com tábuas carcomidas. A cor marrom em suas várias tonalidades predominava naquele lugar abandonado pelo poder público, onde um esgoto a céu aberto escorria um branco leitoso atravessando a rua. Senti vontade de dar sair correndo dali, mas me contive, afinal, fora eu mesmo que insistira em ir...

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